TST reconhece abuso do poder diretivo e confirma que dispensa motivada por estética configura discriminação no ambiente de trabalho
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Rio JV Partners Participações Ltda., responsável por restaurantes e hotéis no Rio de Janeiro, pela dispensa discriminatória de uma garçonete perseguida após pintar os cabelos de ruivo. A decisão, unânime, restabeleceu a sentença que reconhecera o abuso do poder diretivo da empresa e fixara indenização em dobro à trabalhadora.
A profissional atuava no restaurante de um hotel da rede na Barra da Tijuca e, segundo relatou, passou a ser hostilizada pela supervisora e pelo gerente após a mudança na cor do cabelo. Embora o manual interno — chamado Visual Hyatt — permitisse o uso de tinturas desde que “discretas e naturais”, a garçonete afirmou ter sido ridicularizada e pressionada para abandonar o novo visual.
Os apelidos ofensivos, como “curupira” e “água de salsicha”, tornaram o ambiente de trabalho insuportável. Mesmo sendo considerada uma das funcionárias mais qualificadas e bem avaliadas por clientes e hóspedes, ela acabou dispensada meses depois.
A empresa alegou que apenas buscava manter padrões de apresentação pessoal e que suas regras eram claras e legítimas. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região acolheu esse argumento ao entender que o caso refletia “animosidade pessoal”, e não discriminação estética.
No entanto, ao analisar o recurso, o ministro José Roberto Pimenta destacou que a dispensa carecia de justificativas objetivas e que ficou comprovado o tratamento vexatório imposto à trabalhadora. Para a Turma, impor exigências estéticas rígidas sem razoabilidade e promover humilhações configurou abuso patronal e violação da dignidade da empregada.
Assim, o TST restabeleceu a condenação por dispensa discriminatória e por danos morais.
Nossa Opinião:
A decisão da Terceira Turma do TST reafirma um ponto fundamental: o poder diretivo do empregador não é absoluto, e jamais pode se sobrepor à dignidade da pessoa humana. Exigir padrões estéticos rígidos, sem relação direta com a natureza da função, abre caminho para arbitrariedades como a que ocorreu neste caso.
A empresa não apenas utilizou critérios subjetivos para avaliar a aparência da trabalhadora, como também tolerou (ou praticou) condutas ofensivas, humilhantes e claramente violadoras de direitos básicos. Ao permitir que uma supervisora chamasse uma empregada de “curupira” ou “água de salsicha”, o empregador legitimou um ambiente de trabalho degradante — o que por si só já justificaria a responsabilização.
Além disso, a justificativa de “manter padrões profissionais” não pode ser usada como cortina para controle abusivo do corpo do trabalhador, ainda mais quando a própria empresa admite a possibilidade de tinturas. O caso demonstra como critérios estéticos, quando mal aplicados, podem se transformar em instrumentos de discriminação, exclusão e perseguição.
A posição do TST resgata um ponto essencial: ninguém deve perder o emprego por cor de cabelo, muito menos ser alvo de insultos em razão disso. O Judiciário, ao restabelecer a sentença, não apenas reparou a trabalhadora, como deu um recado claro ao mercado: regras de aparência precisam ser razoáveis, justificáveis e jamais violar direitos fundamentais.
Princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, da CF)
O tratamento vexatório, os apelidos ofensivos e a perseguição estética violam diretamente este princípio, base estruturante de todas as relações de trabalho no Brasil.
Princípios da igualdade e da não discriminação (Art. 5º, caput, e inciso XLI da CF)
A dispensa baseada em características pessoais sem pertinência ao trabalho caracteriza discriminação estética, vedada pela ordem constitucional.
Art. 7º, XX, da CF – proteção contra discriminação no ambiente de trabalho
Impõe ao empregador a obrigação de manter critérios objetivos e não discriminatórios para admissão, permanência e dispensa.
Art. 483, “e”, da CLT – rigor excessivo
O tratamento hostil, ofensivo e a exigência de mudanças corporais injustificadas caracterizam rigor excessivo, sustentando o entendimento de abuso patronal.
Súmula 443 do TST
Embora aplicada com mais frequência a casos de doenças graves, reforça o entendimento de que dispensas suspeitas, sem justificativa plausível, podem ser presumidas discriminatórias.
Poder diretivo com limites (Arts. 2º e 3º da CLT)
O poder diretivo não autoriza imposições estéticas que não guardem relação com a função. A empresa ultrapassou a fronteira entre gestão e violação da integridade da trabalhadora.
Dano moral (Art. 5º, V e X da CF e Art. 186 do Código Civil)
A humilhação reiterada, somada à perseguição, configura ato ilícito gerador de dever de indenizar, como corretamente reconhecido pelo TST.