Quando a paz prometida ignora o agressor, humilha a vítima e recompensa a força bruta, o resultado não é paz — é rendição.
A proposta de “acordo de paz” defendida por Donald Trump para a guerra na Ucrânia parece, à primeira vista, uma tentativa pragmática de encerrar o conflito. Mas basta observar a lógica por trás das palavras para perceber que não há neutralidade alguma nesse discurso. A visão de Trump, sempre apresentada como um gesto de eficiência, termina alinhada ponto a ponto com as ambições do Kremlin — mesmo que ele jamais declare isso abertamente.
Trump não diz que apoia Putin. Ele diz que apoia a “paz”. Diz que pode acabar com a guerra “em um dia”. Que a Ucrânia deveria “aceitar alguma coisa”. Que “não tem cartas na manga”. Que o conflito é fruto do “presidente errado”. A retórica pode variar, mas o destino das frases aponta sempre para o mesmo lugar: a mesa de Moscou. Não por ideologia, mas por conveniência.
A visão de mundo que Trump projeta é um mapa perfeito para Putin: uma Ucrânia tratada como ruído, uma Europa reduzida a fardo e uma OTAN que, aos seus olhos, não passa de um albergue aproveitador. A guerra deixa de ser a luta entre liberdade e imperialismo, entre soberania e invasão, entre lei e força. Vira apenas um incômodo administrativo que atrapalha a narrativa doméstica de sua campanha.
Quando Trump disse a Zelensky, no Salão Oval, que ele “não tem cartas na manga”, não falava apenas com o presidente ucraniano. Falava com o mundo. Dizia que a Ucrânia não é sujeito. Não decide. Não impõe condições. Só pode escolher se assina sua capitulação ou se aceita a capitulação sem assinatura. É a mesma lógica que Moscou tenta impor desde o primeiro dia: a ideia de que o mais fraco não tem soberania, apenas obrigações.
Trump pensa e age como um corretor vendendo um imóvel que não é dele. Não pergunta quem é o proprietário. Apenas quer saber quem fecha o negócio mais rápido. Essa visão — a visão de que países se negociam como ativos problemáticos — é o sonho do Kremlin. Um mundo sem leis, apenas com acordos. Sem justiça, apenas com “soluções rápidas”. Sem Ucrânia como nação, apenas como território.
Trump não é ideólogo do “mundo russo”. É o demolidor instintivo do “mundo ocidental” ao qual pertence. Ele rejeita alianças, instituições, tratados, responsabilidades internacionais. Para ele, a OTAN é um peso. A UE é uma competidora. A Ucrânia é um lembrete de conflitos que prejudicam sua narrativa doméstica. Ele não lê a guerra pelos olhos de Bucha, de Mariupol, dos milhões de refugiados. Lê pelos olhos de sua eterna disputa interna nos Estados Unidos.
É aqui que Moscou encontra o parceiro perfeito “por acaso”. Putin não precisa declarar aliança alguma. Basta que Trump veja a Ucrânia como estorvo, a Europa como parasita e a Rússia como “ator forte com quem se negocia”. Essa tríade basta para desmoronar a frente ucraniana — não por estratégia militar, mas por erosão política.
Há um componente pessoal nessa equação. Trump idolatra o arquétipo do “líder forte”: Putin, Kim, Erdogan, Orbán. Ele não vê autoritarismo. Vê autoridade. Não vê opressão. Vê poder. Zelensky, naturalmente, não se encaixa nesse arquétipo. Democratas pedem, negociam, explicam. Para Trump, isso é fraqueza. Ele respeita quem manda, não quem argumenta.
Quando colocamos Putin e Zelensky lado a lado, a escolha de Trump se torna previsível — ainda que ele próprio não perceba. Um líder forte que invade territórios alheios não é um herói; é um ocupante. Uma paz imposta pela força não é acordo; é crime. Mas, para Trump, isso é apenas um “acordo de sucesso”, um espetáculo político: convencer os ucranianos a aceitar algo que não querem, fazer os russos pararem de atirar, aparecer nas manchetes dizendo “eu resolvi”.
Sua lógica reduz a agressão russa a um “erro administrativo” que um presidente competente poderia corrigir. Isso dá ao Kremlin exatamente o presente que desejava: a ideia de que a guerra não foi obra da ambição imperial de Putin, mas resultado de má gestão. Assim, não é preciso punir o agressor — basta trocar o administrador.
Ao enxergar Kyiv como fardo, e não como aliado, Trump transforma a resistência ucraniana em moeda de troca. Não fala a linguagem dos princípios, mas a linguagem do comércio: “ele vai ter que gostar”. Pedaços de um país viram objetos de barganha.
No fim, não se trata de Trump amar Moscou. Trata-se de ele desprezar tudo que limita sua narrativa de vencedor interno. Quando a América decide que não precisa distinguir vítima de agressor e que pode trocar soberania alheia por manchetes bonitas, ela favorece um único lado: o lado que não acredita na lei, apenas no poder.
E esse lado é Moscou.