Decisão da Justiça Federal aponta fraude sistemática, enriquecimento ilícito e prejuízo ao SUS em esquema que durou mais de dois anos no interior do Rio Grande do Sul.
A Justiça Federal condenou a sócia-proprietária de uma drogaria em Casca (RS) por atos de improbidade administrativa ligados ao Programa Farmácia Popular do Brasil. A sentença, proferida pela 2ª Vara Federal de Passo Fundo e publicada em 27 de novembro, é do juiz César Augusto Vieira.
De acordo com a ação apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF), a ré — que atuava simultaneamente como proprietária, administradora e atendente — teria fraudado o sistema entre janeiro de 2013 e maio de 2015, realizando dispensações simuladas de medicamentos. Segundo o MPF, o prejuízo inicial foi de R$ 196.894,23, alcançando R$ 268.245,81 após atualização na data do ingresso da ação.
A acusada confessou a conduta no âmbito de um Acordo de Não Persecução Penal (ANP).
O juiz destacou que os autos comprovaram materialidade, dolo e autoria, com base principalmente no relatório do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, que identificou falhas graves na execução do programa pela farmácia. Entre as irregularidades verificadas, estavam:
dispensação registrada sem comprovação de compra por notas fiscais;
uso indevido do nome de pessoas falecidas;
assinaturas e rubricas contestadas por 10 dos 25 usuários entrevistados;
inconsistências sistemáticas incompatíveis com erros administrativos comuns.
O magistrado observou que o dano ao erário foi totalmente ressarcido no ANP, não havendo necessidade de nova condenação por esse ponto. Entretanto, aplicou outras sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa:
suspensão dos direitos políticos por 8 anos;
multa civil equivalente ao valor do dano;
proibição de contratar com o poder público por 10 anos.
A decisão ainda é passível de recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Nossa Opinião (Atualizada com Tipificação e Embasamento Jurídico)
A condenação está juridicamente bem fundamentada porque se enquadra nos tipos previstos na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), em sua redação aplicável aos fatos da época. As condutas confessadas — fraudar dispensações do Programa Farmácia Popular, registrar vendas de medicamentos não adquiridos, usar nomes de pessoas falecidas e falsificar assinaturas — se enquadram diretamente nos seguintes artigos:
Art. 9º, caput – enriquecimento ilícito, pois houve obtenção de vantagem financeira indevida por meio de reembolsos fraudulentos pagos pelo poder público.
Art. 10, caput – lesão ao erário, pela realização de atos que causaram prejuízo direto ao SUS, ainda que este tenha sido posteriormente ressarcido no âmbito do ANP.
Art. 11 – violação aos princípios da administração pública, especialmente moralidade e legalidade, já que o esquema envolveu falsidade documental, manipulação do sistema e desvio de finalidade.
O magistrado também se apoiou em provas robustas, incluindo o relatório técnico do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, que possui fé pública e é frequentemente utilizado como elemento central em ações de improbidade envolvendo o Farmácia Popular. Esse relatório demonstrou a existência de materialidade, dolo e um padrão de fraudes incompatível com qualquer hipótese de mero erro administrativo.
A decisão judicial harmoniza-se com o entendimento consolidado nos tribunais superiores:
a improbidade por enriquecimento ilícito exige dolo, amplamente demonstrado nos autos;
o ressarcimento do dano, embora relevante, não afasta as demais sanções quando o ato é doloso (jurisprudência reiterada do STJ).
Portanto, a sentença é tecnicamente sólida porque aplica a lei conforme sua finalidade: proteger o patrimônio público e punir condutas que violam a confiança depositada em agentes — públicos ou privados — que participam de programas governamentais.
Ao impor suspensão de direitos políticos, multa civil e proibição de contratar com o poder público, o juiz reafirma uma premissa essencial: programas como o Farmácia Popular somente sobrevivem quando a integridade é tratada como cláusula inegociável. Nesta perspectiva, a decisão não apenas corrige o passado, mas atua como fator de prevenção geral para o futuro.