TJSP determina reativação de perfil e pagamento de lucros cessantes após bloqueio imotivado de entregador.
A 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve, em parte, a sentença da 5ª Vara Cível de Jundiaí que condenou uma plataforma de delivery por bloquear injustificadamente o perfil de um entregador. A decisão determina a reativação da conta e o pagamento de lucros cessantes, calculados com base na média mensal de rendimentos do profissional desde a citação da empresa até o recadastramento. Por outro lado, o colegiado afastou a condenação por danos morais.
Consta dos autos que o entregador prestava serviços regularmente até ser abruptamente impedido de acessar a plataforma. A justificativa apresentada pela empresa sustentava ganhos “acima da média”, mas não houve demonstração de violação contratual. Ao buscar esclarecimentos, o profissional recebeu respostas genéricas e sem provas objetivas. Durante o processo, a ré não apresentou documentos que comprovassem qualquer prática irregular, tampouco garantiu ao trabalhador oportunidade concreta de defesa.
O relator, desembargador Mário Daccache, destacou que plataformas podem rescindir contratos por autonomia privada, mas que isso muda completamente quando há imputação de conduta desabonadora. Se a empresa acusa o entregador de ato reprovável, deve comprovar a alegação. O magistrado lembrou ainda que, embora os tribunais não reconheçam relação de emprego nesses modelos de trabalho, os prestadores dependem economicamente da plataforma e devem receber “tratamento digno”, com transparência e possibilidade de contraditório.
“É preciso não esquecer que o vínculo do autor com a ré possibilita a ele exercer um trabalho para o seu sustento e de sua família. (…) O mínimo que se espera é que esses prestadores de serviço informal recebam um tratamento digno”, registrou o relator.
A decisão foi unânime, com participação das desembargadoras Silvia Rocha e Neto Barbosa Ferreira.
Apelação nº 1024903-28.2023.8.26.0309 – TJSP.
A decisão do TJSP reafirma um ponto central do Direito contemporâneo: a responsabilidade das plataformas digitais dentro das regras do Código Civil e dos princípios constitucionais aplicáveis ao trabalho humano, mesmo quando não há vínculo empregatício formal.
Do ponto de vista jurídico, há três pilares relevantes:
Quando a empresa imputa ao entregador conduta irregular, ela atrai para si o ônus probatório. Não basta alegar; é preciso demonstrar. Ao não comprovar qualquer ilícito, a plataforma incorreu em ato abusivo.
Bloquear um trabalhador sem justificativa adequada, impedindo-o de exercer sua atividade econômica, configura ato ilícito com impacto direto em sua renda. O dever de indenizar por lucros cessantes é natural consequência da perda comprovada da oportunidade de trabalho.
Ainda que não se reconheça vínculo empregatício, o TJSP reforça que o trabalho mediado por tecnologia continua sendo trabalho humano, digno de respeito, transparência e possibilidade de defesa. O argumento do relator se alinha ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho, ambos fundamentos constitucionais.
Este acórdão evidencia uma tendência clara no Judiciário:
→ Plataformas digitais não podem atuar como autoridades absolutas, punindo trabalhadores sem provas e sem contraditório.
→ O sistema judicial exige coerência, transparência e proporcionalidade.
É um precedente importante para o ecossistema de entregadores e motoristas de aplicativos, pois limita práticas arbitrárias e reforça a necessidade de regras claras, auditáveis e juridicamente defensáveis.
Para advogados que atuam no tema, trata-se de um caso emblemático que ajuda a consolidar a tese de que a economia de plataformas não está acima do Direito, mas integrada a ele.