Uma análise crítica sobre a cobertura da guerra na Ucrânia e a falha da mídia em destacar o real motivo da resistência ucraniana.
A guerra entre Rússia e Ucrânia já atravessa quase três anos, desafiando todas as previsões iniciais que apontavam uma vitória rápida e esmagadora de Moscovo. O conflito, que começou em fevereiro de 2022, continua a ser coberto pela mídia global, mas a análise do que realmente sustenta a resistência ucraniana tem sido, em grande parte, negligenciada. Nos Estados Unidos, uma das nações com maior influência midiática no mundo, a cobertura da guerra é predominantemente centrada em aspectos táticos, frequentemente ignorando o espírito de resistência que mantém o país em combate.
Ali Cameo, um médico voluntário americano que se juntou à Brigada Presidencial Separada em homenagem ao hetman Bohdan Khmelnytsky, tem um ponto de vista claro sobre como a guerra é tratada pela mídia dos EUA. Ele aponta que a cobertura da mídia americana sobre o conflito se concentra de forma superficial nas questões militares, destacando a tática das forças ucranianas e os desafios enfrentados pelas tropas russas, mas sem uma análise mais profunda do contexto humano e social da guerra.
“Os jornalistas cobrem a guerra de maneira totalmente incorreta. Todo o foco está na operação do exército ucraniano, nas ofensivas e nas táticas de guerra. Eles discutem o que impede o avanço das tropas e o que está acontecendo com os russos. Mas quase nunca falam sobre as pessoas. Por que a Ucrânia continua lutando, por exemplo, é uma questão quase nunca discutida”, explicou Cameo em entrevista à Army TV.
Esse viés na cobertura tende a criar uma percepção errada de que a vitória ucraniana é apenas uma questão de tempo e de fornecimento de armas. Para Cameo, a retórica que surge quando territórios não são recapturados em um curto espaço de tempo — "Por que a Ucrânia ainda não venceu?" — não reflete a complexidade e a realidade da guerra. Ele explica que a resistência ucraniana vai além de uma luta apenas tática e envolve um profundo compromisso com a soberania nacional e o futuro do país.
Enquanto isso, a mídia americana frequentemente foca nas decisões de grandes potências como a União Europeia e a OTAN, além de destacar o volume de armamentos enviados à Ucrânia. Embora essas questões sejam cruciais para o avanço militar ucraniano, elas não capturam o contexto mais amplo de como a população ucraniana tem reagido à guerra. O espírito de luta não se resume apenas a armas e munições, mas à motivação de um povo que luta por sua identidade, cultura e liberdade.
A retórica da mídia também falha em entender que a verdadeira vitória de uma nação não pode ser medida apenas por batalhas territoriais. A resistência ucraniana, especialmente em tempos de desespero, é alimentada por um forte senso de dever e pela necessidade de proteger não só o território, mas também a vida de seus cidadãos, que enfrentam perdas imensas.
No Brasil, como em muitos países, a cobertura sobre a Ucrânia é frequentemente uma repetição de análises americanas e internacionais, muitas vezes sem a devida contextualização local. Durante os primeiros meses da guerra, "especialistas" e militares no Brasil chegaram a afirmar que a Ucrânia não sobreviveria por mais de duas semanas,estamos proximos de completar 3 anos. Mas, como o jornalista Lourival Santana corretamente previu, o país demonstrou uma resistência impressionante, superando as expectativas e desafiando o entendimento superficial da mídia sobre o conflito.
À medida que o confronto continua, a Ucrânia não só mantém suas forças em batalha, como também se apresenta como uma das nações mais resilientes da Europa. Para os jornalistas que cobrem o conflito, é crucial ir além das análises táticas e armamentistas e entender o que mantém o país de pé: um povo determinado e uma luta pela sobrevivência que não é apenas militar, mas também moral e cultural. A cobertura de um conflito tão complexo exige uma visão mais profunda do que o simples fornecimento de armas e território, e é esse tipo de apuração que falta em muitas das análises, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.