Entenda quando o estágio deixa de ser aprendizado e vira exploração
A figura do estágio existe para proporcionar ao estudante uma vivência prática que complemente sua formação acadêmica. Porém, quando empresas — públicas ou privadas — ultrapassam os limites definidos pela lei, o que era para ser formação profissional supervisionada se transforma em trabalho disfarçado, muitas vezes sem os direitos garantidos pela CLT.
Esse tipo de irregularidade é mais comum do que se imagina. A substituição de profissionais por estagiários vem sendo cada vez mais combatida por meio de ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), com condenações que reforçam o caráter pedagógico e reparatório do dano moral coletivo.
O que diz a legislação sobre o estágio
De acordo com a Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008), é obrigatório que a função exercida pelo estagiário esteja alinhada ao curso que ele frequenta. Além disso, devem ser garantidos:
Plano de atividades assinado por todas as partes (instituição de ensino, empresa e aluno);
Carga horária compatível com os estudos;
Acompanhamento pedagógico por um profissional da área;
Objetivo de aprendizado, jamais de substituição de mão de obra.
Quando essas exigências não são cumpridas, o estágio perde sua natureza educativa e passa a configurar relação de emprego camuflada, sujeita às penalidades previstas pela legislação trabalhista.
Diferenças entre estágio, jovem aprendiz e contrato CLT
É comum haver confusão entre os regimes, o que facilita abusos:
Estágio: voltado para estudantes regularmente matriculados em instituições de ensino, sem vínculo empregatício.
Jovem Aprendiz: contrato formal com base na CLT, destinado a jovens entre 14 e 24 anos, com formação teórica e prática obrigatória.
Contrato CLT: vínculo de emprego direto, com todos os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho.
Quando o estagiário atua sem supervisão, com metas, subordinação e carga horária exaustiva, é possível configurar fraude à legislação — mesmo que o contrato de estágio tenha sido formalizado.
Responsabilidade das empresas e riscos jurídicos
Empresas que desvirtuam o uso do estágio podem ser acionadas judicialmente e condenadas a:
Pagamento de indenizações por danos coletivos;
Reconhecimento de vínculo empregatício, com todos os encargos retroativos;
Multas administrativas impostas por fiscalizações do trabalho.
Além dos danos financeiros, há o comprometimento da imagem institucional, sobretudo em órgãos públicos e empresas de grande porte, como aconteceu com o Banco do Brasil no caso recente julgado pelo TST.
Boas práticas: como evitar o desvio de função
Para manter a legalidade, as empresas devem:
Estabelecer atividades compatíveis com o curso do estagiário;
Garantir orientação pedagógica constante;
Manter o estagiário fora de tarefas repetitivas ou operacionais;
Não substituir funcionários efetivos por estagiários;
Firmar parcerias legítimas com instituições de ensino e seguir o plano de estágio.
O estágio deve ser uma ponte entre a teoria e a prática, e não uma forma de baratear a folha de pagamento.